Por conta disso resolvi pesquisar um pouco mais e encontrei diversos materiais e fotos antigas. Na verdade este post ficará muito bagunçado, mas não poderei deixar de reunir tudo aqui.

Em 1889 um
imigrante Italiano desembarcava no Porto do Rio de Janeiro - seu objetivo era o
mesmo de tantos outros que chegavam a América: prosperar.
Esse imigrante,
chamado Giuseppe Martinelli, foi excepcionalmente bem sucedido neste intento e
em pouco mais de duas décadas havia construído um respeitável patrimônio.
Desejoso por deixar um legado mais permanente de seu trabalho, além de sua
importante empresa de navegação em Santos, o Comendador Martinelli decide
erguer na cidade São Paulo o mais alto arranha-céu da América Latina, o
Edifício Martinelli.

Para São Paulo, o ano da proclamação da
república foi o prenúncio de grandes mudanças. Pelo censo de 1890, a cidade
contava com 64.934 habitantes. Em 1900 tinha saltado para 239.820 habitantes,
em sua maioria italianos do sul. Em 1920 havia se consolidado como o centro
industrial do Brasil e em 1930, se aproximando de 1 milhão de habitantes, já
era uma das grandes cidades do mundo.
Martinelli
cresceu junto com a cidade. Começou no Brasil como mascate e açougueiro, passou
a importador e representante comercial e tornou-se um grande armador, com uma
frota de 22 navios. Tudo isso em pouco mais de 30 anos.

A obra prometia
uma enorme polêmica, pois a São Paulo de então não possuía nenhum edifício de
grande estatura, sendo raros os prédios com mais de 5 andares. Planejado para
alcançar a barreira dos 100 metros de altura, em uma estrutura não apenas alta
como significativamente larga, o Edifício Martinelli marcaria uma transição
para a era dos arranha-céus. Passou por momentos difíceis - inclusive,
chegou-se a cogitar a sua demolição. Mas o prédio foi recuperado e voltou a ser
um orgulho para a cidade.
Em 1924 deu
início à construção do prédio projetado para ter 12 andares, num grande terreno
na então área mais nobre da capital, entre as ruas São Bento, Líbero Badaró e
avenida São João. O autor do projeto era o arquiteto húngaro William Fillinger,
da Academia de Belas Artes de Viena.
Todo o cimento
da construção era importado da Suécia e da Noruega, pela própria casa importadora
de Martinelli. Nas obras trabalhavam mais de 600 operários. 90 artesãos,
italianos e espanhóis, cuidavam do esmerado acabamento. Os detalhes da rica
fachada foram desenhados pelos irmãos Lacombe, que mais tarde projetariam a
entrada do túnel da av. 9 de Julho. Diversos imprevistos prolongaram as obras:
as fundações abalaram um prédio vizinho – problema resolvido com a compra do
prédio por Martinelli; os cálculos estruturais complexos levaram à importação
de uma máquina de calcular Mercedes da Alemanha.

Quando o prédio
atingiu vinte e quatro andares, foi embargado, por não ter licença e
desrespeitar as leis municipais – havia um grande debate na época sobre a
conveniência ou não de se construir prédios altos na cidade. A questão foi
parar nos tribunais e assumiu contornos políticos, sendo aproveitada pela
oposição para fustigar Martinelli e a prefeitura municipal. A questão foi
resolvida por uma comissão técnica que garantiu que o prédio era seguro e
limitando a altura do prédio a 25 andares. O objetivo de Martinelli, contudo,
era chegar aos 30 andares, e o fez construindo sua nova residência com cinco
andares no topo do prédio – tal como Gustave Eiffel fizera no topo de sua
torre.
O Martinelli
impressionava não só pelas dimensões como pela rica ornamentação e luxuoso
acabamento: portas de pinho de Riga, escadas de mármore de Carrara, vidros,
espelhos e papéis de parede belgas, louça sanitária inglesa, elevadores suíços
– tudo o que havia de melhor na época; paredes das escadas revestidas de
marmorite, pintura a óleo nas salas a partir do 20º andar, 40 quilômetros de
molduras de gesso em arabescos.
O prédio possui
reentrâncias, comuns nos hotéis norte-americanos da época, para ventilação e
iluminação, e apresenta as três divisões básicas da arquitetura clássica:
embasamento, corpo e coroamento. O embasamento é revestido de granito vermelho;
no coroamento, falsa mansarda de ardósia. O corpo é pintado em três tons de
rosa e recoberto de massa cor-de-rosa, uma mistura de vidro moído, cristal de
rocha, areias muito puras e pó-de-mica, que fazia a fachada cintilar à noite. O
revestimento tem três tons de rosa. O Martinelli inspirou Oswald de Andrade a
chamar pejorativamente São Paulo de “cidade bolo de noiva”.
Entre os inquilinos
do prédio, partidos políticos como o PRP, jornais, clubes (ente eles o
Palmeiras e a Portuguesa), sindicatos, restaurantes, confeitarias, boates, um
hotel (São Bento), o cine Rosário, a escola de dança do professor Patrizi. O
tino comercial do Comendador Martinelli se revelava até nas empenas cegas do
prédio, que serviam de outdoor gigante para uma série de produtos, entre eles a
“pasta dental Elba”, o “café Bhering” e a aguardente Fernet Branca – importada
pelo próprio Martinelli.
Mesmo antes de
sua conclusão o prédio já havia se tornado um símbolo e ícone de São Paulo – em
1931 o inventor do rádio, Guglielmo Marconi, visitou a cidade e foi levado até
o topo do edifício. Quando o Zeppelin sobrevoou a cidade em 1933, deu uma volta
em torno do Martinelli.
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Av. São João com o Ed. Martinelli ao fundo - 1939 |
Contudo, para o Comendador a construção do prédio acarretou sérios problemas financeiros, e em 1934 foi forçado a vender o edifício para o governo da Itália. Em 1943, com a declaração de guerra do Brasil ao eixo, todos os bens italianos foram confiscados e o Martinelli passou a ser propriedade da União, tendo inclusive sido rebatizado com o nome de Edifício América.
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Martinelli à Esq. Prédio do Banespa ao Fundo |
Com o fim da II
Guerra, a cidade entrou em uma fase de enorme progresso que se refletiu em um
boom imobiliário. Em 1947 o Martinelli perdeu o título de prédio mais alto de
São Paulo para o vizinho Edifício do Banespa. Porém o prejuízo foi a
construção da massa gigantesca do Banco do Brasil do outro lado da av. São João
no início dos anos 50, fazendo sombra ao Martinelli – que se tornou assim
vítima da própria verticalização da qual tinha sido pioneiro.
Em 1950,
primeiros anos que os abandonos se mostram significativos, temos o depoimento
de José Francisco Cascone, que trabalhava em uma joalheria no 19º andar, ele
diz: “Das 8h às 17 horas havia atividades exclusivamente comerciais, com
circulação de clientes de joalheiros e alfaiates renomados, e que entravam pela
rua Líbero Badaró. Mas, a partir desse horário até 7 horas da manhã, era um
completo e perfeito prostíbulo, onde corria solto o tóxico, as bebidas e o
comercio do sexo. Os elevadores não eram usados e as escadas serviam de
passarela para os mais absurdos desfiles de prostituição.”
Com o
passar dos anos a degradação vai ficando cada vez intensa. Casos de suicídio
vão aparecendo e crimes começam a ficar frequentes como o do menino Davilson,
violentado, estrangulado e jogado no poço do elevador e um outro caso só que nos anos 60 que deu alguma
repercussão foi o da menor Márcia.
Tereza, que foi estuprada por 5 bandidos e
depois morta, em um dos apartamentos do prédio.
Nas décadas de
60 e início da de 70, o prédio entra em rápida decadência por uma série de
fatores. O prédio se torna uma favela vertical, ocupado por famílias de baixa
renda (o Martinelli era uma das poucas opções de moradia barata no centro) em
péssimas condições de salubridade. O cenário é de um verdadeiro filme de
terror. Nos corredores compridos e sombrios, onde crianças brincavam em meio à
promiscuidade, espreitavam ladrões e prostitutas. Os elevadores pararam de
funcionar; o lixo deixou de ser recolhido e passou a ser jogado nos poços de
ventilação– as montanhas de lixo atingiam dezenas de metros de altura, e
permeavam o prédio com um cheiro de morte.
Dizia-se que
devido ao lixo acumulado, o prédio inteiro tinha um odor forte e inconfundível,
que muitos associavam com a própria morte, segundo um relato de João Alves
Vieira, um antigo frequentador do centro: “Dava muito medo passar por perto do
edifício, sempre a gente escutava histórias terríveis de lá, cada uma pior que
a outra”.
Devido ao
constante abandono e a medida que traficantes e prostitutas começaram a
frequentar o prédio, abriu-se uma igreja no 17º andar com o nome de “A Igreja
do Deus Vivo”, fundada pelo pastor Sinésio Cagliari, e sua esposa a missionária
Elza Cagliari, talvez como ultimo recurso para recolher as pobres almas
perdidas que tanto frequentavam o prédio.
No início dos
anos 70 a revista Realidade fez uma grande reportagem sobre o edifício, e por
ela podemos saber o que acontecia lá dentro. Somente alguns dos elevadores
continuavam funcionando, mas os botões de chamada não funcionavam mais, e para
chamar os elevadores as pessoas gritavam ou batiam com os dedos nas portas,
para que o ascensorista soubesse que tinha gente esperando. Circulavam pelo
edifício cerca de 25.000 pessoas por dia.
Lá dentro
funcionavam os mais diversos tipos de serviços e comércios. Ocupando do 2º ao
6º andar, estava o Banco Itaú América. No térreo, na esquina da Rua São Bento
com a Avenida São João, funcionava o cabaré Jantar Dançante São Bento.
No 7º andar
funcionava o Sindicato dos Bancários, no 9º andar a Associação dos Inativos da
Guarda Civil e a União dos Servidores
Públicos, e o Sindicato dos Panificadores no 13º andar. No 11º a Federação das
Escolas de Samba.
O prédio também
abrigava vários bares e clubes, como o Bar 16 no 16º andar, o Bar 13 no 13º
andar. No 11º funcionava o Clube 220. No 10º andar ficava o Venâncio, local
onde músicos iam tocar. No 8º andar funcionava uma escola profissional – A Vigésima
Escola Americana, com mais de 1.500 alunos, no 25º andar a Escola de Dança do
Professor Patrizi e a Academia de Judô do Professor Oso. A Escola Americana
tinha cursos técnicos para torneiro mecânico, técnicos de rádio, mecânicos de
automóveis, eletricistas
No 11º andar
funcionava o Hotel São Bento, que tinha quartos espalhados pelo edifício, do
11º ao 25º andar. Os moradores ficavam nos andares mais altos. No 24º morava o
Índio, assim conhecido pois tinha feito papel de índio no cinema e na televisão.
No 25º, o Ludovico encanador, o Arlindo e sua família – zelador da casa do
Comendador, a Sra Elza Gregório com seus 5 filhos e o Sr José Basílio com seus
4 filhos. As crianças brincavam nos corredores e nas salas vazias, correndo por
todo o edifício.
No 15º, várias
prostitutas tinham quartos alugados, para onde levavam seus clientes. No 14º
funcionava uma distribuidora de livros e a administradora do prédio. Foi lá que
o repórter da revista encontrou o cego Bento e seu guia Venhuí, que circulavam
todo dia pelo prédio vendendo vassouras, espanadores e escovas.
No 12º andar
morava o Pedrinho Barra Limpa, assim conhecido por ser de toda confiança e
guardar dinheiro para os outros moradores e trabalhadores do prédio. Nesse
andar também morava Alexandre Natalino Montesanni, conhecido lapidador de São
Paulo, que alí trabalhava e dava cursos de lapidação. No 17º andar funcionava a
Igreja do Deus Vivo, uma igreja que a missionária Elza Cagliari, junto com seu
marido, o pastor Sinésio Cagliari, fundara.
Alguns funcionários moravam no edifício: o
zelador da casa do Comendador, que pertencia a um senhor do Rio de Janeiro, e o
responsável pela manutenção das instalações de água e esgoto, Ludovico Riehm –
mais conhecido como Ludovico encanador, que trabalhava no prédio há mais de 30
anos.
Então, em 1975 o
prefeito Olavo Setúbal decidiu salvar o edifício. Desapropriou o prédio – foi
necessária a intervenção do exército para retirar os moradores mais renitentes
– e deu início à restauração. O responsável pelas obras foi o Engenheiro Walter
Merlo, chefiando 640 operários. Os sistemas hidráulico e elétrico foram
totalmente substituídos, novos elevadores foram instalados, a fachada foi limpa
com jateamento de areia. Um moderno sistema de prevenção a incêndios foi
instalado, tornando o Martinelli um dos mais seguros da cidade. Em 1979 foi
reinaugurado, sendo ocupado por diversas repartições municipais, como a Emurb e
a Cohab.
O conde
Martinelli depois de reaver sua fortuna, tinha ódio e vergonha de sua própria
obra, dizia sua filha que quando tinha uma viagem a negócios em São Paulo, ele
fazia de tudo para não passar por perto do prédio, e perceber que sua maior
obra e tentativa de fazer um grande marco na capital, tinha resultado em uma
grande favela horizontal, abandonada e com cheiro de morte.
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Imagem noturna do Edifício Martinelli |
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Foto aérea Casa do comendador - 26º andar |
Em 1992, o Martinelli
foi finalmente tombado pelo Patrimônio Histórico: "Os elementos
decorativos neoclássicos, a cobertura de ardósia com mansardas falsas, um
palacete de três andares no terraço e a roupagem de tijolos recobrindo a
estrutura de concreto. Tais elementos estão a indicar a persistência do gosto
eclético na arquitetura paulista", justifica a Resolução 37 do Compresp. A
Operação Urbana Centro encaminha, atualmente, projetos e ações de restauração
do prédio em parceria com a Associação dos Amigos do Prédio Martinelli.
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Casa do comendador - 26º andar |
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Casa do comendador - 26º andar |
Mais Algumas imagens:
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Vista aérea de SP com o Martinelli no canto Esquerdo - 1930 |
Veja a galeria de imagens no site do Estadão
Imagens em 360º a partir do topo do Martinelli
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Martinelli
Bibliografia: o único livro publicado sobre o Martinelli é de autoria de Maria Cecília Naclério Homem: Martinelli – A Ascensão do Imigrante e a Verticalização de São Paulo (Projeto Editores Associados Ltda.