Por conta disso resolvi pesquisar um pouco mais e encontrei diversos materiais e fotos antigas. Na verdade este post ficará muito bagunçado, mas não poderei deixar de reunir tudo aqui.
Para começar, o Edificio Martineli localiza-se nos endereços: R. São Bento, 397 a 413 / Av. São João, 11 a 65 / R. Libero Badaró, 504 a 518
Em 1889 um
imigrante Italiano desembarcava no Porto do Rio de Janeiro - seu objetivo era o
mesmo de tantos outros que chegavam a América: prosperar.
Esse imigrante,
chamado Giuseppe Martinelli, foi excepcionalmente bem sucedido neste intento e
em pouco mais de duas décadas havia construído um respeitável patrimônio.
Desejoso por deixar um legado mais permanente de seu trabalho, além de sua
importante empresa de navegação em Santos, o Comendador Martinelli decide
erguer na cidade São Paulo o mais alto arranha-céu da América Latina, o
Edifício Martinelli.
Nascido em 1870,
em Lucca, seu grande sonho de cursar a faculdade de arquitetura não pôde se
realizar por falta de condições financeiras. Trabalhou como pedreiro antes de
imigrar para o Brasil, em 1889.
Para São Paulo, o ano da proclamação da
república foi o prenúncio de grandes mudanças. Pelo censo de 1890, a cidade
contava com 64.934 habitantes. Em 1900 tinha saltado para 239.820 habitantes,
em sua maioria italianos do sul. Em 1920 havia se consolidado como o centro
industrial do Brasil e em 1930, se aproximando de 1 milhão de habitantes, já
era uma das grandes cidades do mundo.
Martinelli
cresceu junto com a cidade. Começou no Brasil como mascate e açougueiro, passou
a importador e representante comercial e tornou-se um grande armador, com uma
frota de 22 navios. Tudo isso em pouco mais de 30 anos.
Foi então que
resolveu realizar de uma forma diferente o sonho frustrado de se tornar
arquiteto, construindo um prédio que fosse um tributo à cidade que o adotara.
Para isso, vendeu toda a sua frota de navios, e em 1924 deu início à construção
de um prédio projetado para ter 12 andares, num grande terreno de sua
propriedade na então área mais nobre da capital, entre as ruas São Bento,
Líbero Badaró e Avenida São João. O autor do projeto era o arquiteto húngaro
William Fillinger, da Academia de Belas Artes de Viena.
A obra prometia
uma enorme polêmica, pois a São Paulo de então não possuía nenhum edifício de
grande estatura, sendo raros os prédios com mais de 5 andares. Planejado para
alcançar a barreira dos 100 metros de altura, em uma estrutura não apenas alta
como significativamente larga, o Edifício Martinelli marcaria uma transição
para a era dos arranha-céus. Passou por momentos difíceis - inclusive,
chegou-se a cogitar a sua demolição. Mas o prédio foi recuperado e voltou a ser
um orgulho para a cidade.
Em 1924 deu
início à construção do prédio projetado para ter 12 andares, num grande terreno
na então área mais nobre da capital, entre as ruas São Bento, Líbero Badaró e
avenida São João. O autor do projeto era o arquiteto húngaro William Fillinger,
da Academia de Belas Artes de Viena.
Todo o cimento
da construção era importado da Suécia e da Noruega, pela própria casa importadora
de Martinelli. Nas obras trabalhavam mais de 600 operários. 90 artesãos,
italianos e espanhóis, cuidavam do esmerado acabamento. Os detalhes da rica
fachada foram desenhados pelos irmãos Lacombe, que mais tarde projetariam a
entrada do túnel da av. 9 de Julho. Diversos imprevistos prolongaram as obras:
as fundações abalaram um prédio vizinho – problema resolvido com a compra do
prédio por Martinelli; os cálculos estruturais complexos levaram à importação
de uma máquina de calcular Mercedes da Alemanha.
Enquanto isso,
Martinelli não parava de acrescentar andares ao edifício, estimulado pela
própria população que lhe pedia uma altura cada vez maior – de 12 passou para
catorze, depois dezoito e em 1928 chegou a vinte. Nessa época o próprio Martinelli
já havia assumido o projeto arquitetônico, e, não se satisfazendo em fiscalizar
diariamente as obras, também trabalhava como pedreiro – retomando assim a
profisssão que exercera na juventude na Itália – e demonstrava enorme prazer em
ensinar aos operários mais jovens os macetes da profissão.
Quando o prédio
atingiu vinte e quatro andares, foi embargado, por não ter licença e
desrespeitar as leis municipais – havia um grande debate na época sobre a
conveniência ou não de se construir prédios altos na cidade. A questão foi
parar nos tribunais e assumiu contornos políticos, sendo aproveitada pela
oposição para fustigar Martinelli e a prefeitura municipal. A questão foi
resolvida por uma comissão técnica que garantiu que o prédio era seguro e
limitando a altura do prédio a 25 andares. O objetivo de Martinelli, contudo,
era chegar aos 30 andares, e o fez construindo sua nova residência com cinco
andares no topo do prédio – tal como Gustave Eiffel fizera no topo de sua
torre.
O Martinelli
impressionava não só pelas dimensões como pela rica ornamentação e luxuoso
acabamento: portas de pinho de Riga, escadas de mármore de Carrara, vidros,
espelhos e papéis de parede belgas, louça sanitária inglesa, elevadores suíços
– tudo o que havia de melhor na época; paredes das escadas revestidas de
marmorite, pintura a óleo nas salas a partir do 20º andar, 40 quilômetros de
molduras de gesso em arabescos.
O prédio possui
reentrâncias, comuns nos hotéis norte-americanos da época, para ventilação e
iluminação, e apresenta as três divisões básicas da arquitetura clássica:
embasamento, corpo e coroamento. O embasamento é revestido de granito vermelho;
no coroamento, falsa mansarda de ardósia. O corpo é pintado em três tons de
rosa e recoberto de massa cor-de-rosa, uma mistura de vidro moído, cristal de
rocha, areias muito puras e pó-de-mica, que fazia a fachada cintilar à noite. O
revestimento tem três tons de rosa. O Martinelli inspirou Oswald de Andrade a
chamar pejorativamente São Paulo de “cidade bolo de noiva”.
Entre os inquilinos
do prédio, partidos políticos como o PRP, jornais, clubes (ente eles o
Palmeiras e a Portuguesa), sindicatos, restaurantes, confeitarias, boates, um
hotel (São Bento), o cine Rosário, a escola de dança do professor Patrizi. O
tino comercial do Comendador Martinelli se revelava até nas empenas cegas do
prédio, que serviam de outdoor gigante para uma série de produtos, entre eles a
“pasta dental Elba”, o “café Bhering” e a aguardente Fernet Branca – importada
pelo próprio Martinelli.
Mesmo antes de
sua conclusão o prédio já havia se tornado um símbolo e ícone de São Paulo – em
1931 o inventor do rádio, Guglielmo Marconi, visitou a cidade e foi levado até
o topo do edifício. Quando o Zeppelin sobrevoou a cidade em 1933, deu uma volta
em torno do Martinelli.
Av. São João com o Ed. Martinelli ao fundo - 1939 |
Contudo, para o Comendador a construção do prédio acarretou sérios problemas financeiros, e em 1934 foi forçado a vender o edifício para o governo da Itália. Em 1943, com a declaração de guerra do Brasil ao eixo, todos os bens italianos foram confiscados e o Martinelli passou a ser propriedade da União, tendo inclusive sido rebatizado com o nome de Edifício América.
Martinelli à Esq. Prédio do Banespa ao Fundo |
Com o fim da II
Guerra, a cidade entrou em uma fase de enorme progresso que se refletiu em um
boom imobiliário. Em 1947 o Martinelli perdeu o título de prédio mais alto de
São Paulo para o vizinho Edifício do Banespa. Porém o prejuízo foi a
construção da massa gigantesca do Banco do Brasil do outro lado da av. São João
no início dos anos 50, fazendo sombra ao Martinelli – que se tornou assim
vítima da própria verticalização da qual tinha sido pioneiro.
Em 1950,
primeiros anos que os abandonos se mostram significativos, temos o depoimento
de José Francisco Cascone, que trabalhava em uma joalheria no 19º andar, ele
diz: “Das 8h às 17 horas havia atividades exclusivamente comerciais, com
circulação de clientes de joalheiros e alfaiates renomados, e que entravam pela
rua Líbero Badaró. Mas, a partir desse horário até 7 horas da manhã, era um
completo e perfeito prostíbulo, onde corria solto o tóxico, as bebidas e o
comercio do sexo. Os elevadores não eram usados e as escadas serviam de
passarela para os mais absurdos desfiles de prostituição.”
Com o
passar dos anos a degradação vai ficando cada vez intensa. Casos de suicídio
vão aparecendo e crimes começam a ficar frequentes como o do menino Davilson,
violentado, estrangulado e jogado no poço do elevador e um outro caso só que nos anos 60 que deu alguma
repercussão foi o da menor Márcia.
Tereza, que foi estuprada por 5 bandidos e
depois morta, em um dos apartamentos do prédio.
Nas décadas de
60 e início da de 70, o prédio entra em rápida decadência por uma série de
fatores. O prédio se torna uma favela vertical, ocupado por famílias de baixa
renda (o Martinelli era uma das poucas opções de moradia barata no centro) em
péssimas condições de salubridade. O cenário é de um verdadeiro filme de
terror. Nos corredores compridos e sombrios, onde crianças brincavam em meio à
promiscuidade, espreitavam ladrões e prostitutas. Os elevadores pararam de
funcionar; o lixo deixou de ser recolhido e passou a ser jogado nos poços de
ventilação– as montanhas de lixo atingiam dezenas de metros de altura, e
permeavam o prédio com um cheiro de morte.
Dizia-se que
devido ao lixo acumulado, o prédio inteiro tinha um odor forte e inconfundível,
que muitos associavam com a própria morte, segundo um relato de João Alves
Vieira, um antigo frequentador do centro: “Dava muito medo passar por perto do
edifício, sempre a gente escutava histórias terríveis de lá, cada uma pior que
a outra”.
Devido ao
constante abandono e a medida que traficantes e prostitutas começaram a
frequentar o prédio, abriu-se uma igreja no 17º andar com o nome de “A Igreja
do Deus Vivo”, fundada pelo pastor Sinésio Cagliari, e sua esposa a missionária
Elza Cagliari, talvez como ultimo recurso para recolher as pobres almas
perdidas que tanto frequentavam o prédio.
No início dos
anos 70 a revista Realidade fez uma grande reportagem sobre o edifício, e por
ela podemos saber o que acontecia lá dentro. Somente alguns dos elevadores
continuavam funcionando, mas os botões de chamada não funcionavam mais, e para
chamar os elevadores as pessoas gritavam ou batiam com os dedos nas portas,
para que o ascensorista soubesse que tinha gente esperando. Circulavam pelo
edifício cerca de 25.000 pessoas por dia.
Lá dentro
funcionavam os mais diversos tipos de serviços e comércios. Ocupando do 2º ao
6º andar, estava o Banco Itaú América. No térreo, na esquina da Rua São Bento
com a Avenida São João, funcionava o cabaré Jantar Dançante São Bento.
No 7º andar
funcionava o Sindicato dos Bancários, no 9º andar a Associação dos Inativos da
Guarda Civil e a União dos Servidores
Públicos, e o Sindicato dos Panificadores no 13º andar. No 11º a Federação das
Escolas de Samba.
O prédio também
abrigava vários bares e clubes, como o Bar 16 no 16º andar, o Bar 13 no 13º
andar. No 11º funcionava o Clube 220. No 10º andar ficava o Venâncio, local
onde músicos iam tocar. No 8º andar funcionava uma escola profissional – A Vigésima
Escola Americana, com mais de 1.500 alunos, no 25º andar a Escola de Dança do
Professor Patrizi e a Academia de Judô do Professor Oso. A Escola Americana
tinha cursos técnicos para torneiro mecânico, técnicos de rádio, mecânicos de
automóveis, eletricistas
No 11º andar
funcionava o Hotel São Bento, que tinha quartos espalhados pelo edifício, do
11º ao 25º andar. Os moradores ficavam nos andares mais altos. No 24º morava o
Índio, assim conhecido pois tinha feito papel de índio no cinema e na televisão.
No 25º, o Ludovico encanador, o Arlindo e sua família – zelador da casa do
Comendador, a Sra Elza Gregório com seus 5 filhos e o Sr José Basílio com seus
4 filhos. As crianças brincavam nos corredores e nas salas vazias, correndo por
todo o edifício.
No 15º, várias
prostitutas tinham quartos alugados, para onde levavam seus clientes. No 14º
funcionava uma distribuidora de livros e a administradora do prédio. Foi lá que
o repórter da revista encontrou o cego Bento e seu guia Venhuí, que circulavam
todo dia pelo prédio vendendo vassouras, espanadores e escovas.
No 12º andar
morava o Pedrinho Barra Limpa, assim conhecido por ser de toda confiança e
guardar dinheiro para os outros moradores e trabalhadores do prédio. Nesse
andar também morava Alexandre Natalino Montesanni, conhecido lapidador de São
Paulo, que alí trabalhava e dava cursos de lapidação. No 17º andar funcionava a
Igreja do Deus Vivo, uma igreja que a missionária Elza Cagliari, junto com seu
marido, o pastor Sinésio Cagliari, fundara.
Alguns funcionários moravam no edifício: o
zelador da casa do Comendador, que pertencia a um senhor do Rio de Janeiro, e o
responsável pela manutenção das instalações de água e esgoto, Ludovico Riehm –
mais conhecido como Ludovico encanador, que trabalhava no prédio há mais de 30
anos.
Então, em 1975 o
prefeito Olavo Setúbal decidiu salvar o edifício. Desapropriou o prédio – foi
necessária a intervenção do exército para retirar os moradores mais renitentes
– e deu início à restauração. O responsável pelas obras foi o Engenheiro Walter
Merlo, chefiando 640 operários. Os sistemas hidráulico e elétrico foram
totalmente substituídos, novos elevadores foram instalados, a fachada foi limpa
com jateamento de areia. Um moderno sistema de prevenção a incêndios foi
instalado, tornando o Martinelli um dos mais seguros da cidade. Em 1979 foi
reinaugurado, sendo ocupado por diversas repartições municipais, como a Emurb e
a Cohab.
O conde
Martinelli depois de reaver sua fortuna, tinha ódio e vergonha de sua própria
obra, dizia sua filha que quando tinha uma viagem a negócios em São Paulo, ele
fazia de tudo para não passar por perto do prédio, e perceber que sua maior
obra e tentativa de fazer um grande marco na capital, tinha resultado em uma
grande favela horizontal, abandonada e com cheiro de morte.
Imagem noturna do Edifício Martinelli |
Foto aérea Casa do comendador - 26º andar |
Em 1992, o Martinelli
foi finalmente tombado pelo Patrimônio Histórico: "Os elementos
decorativos neoclássicos, a cobertura de ardósia com mansardas falsas, um
palacete de três andares no terraço e a roupagem de tijolos recobrindo a
estrutura de concreto. Tais elementos estão a indicar a persistência do gosto
eclético na arquitetura paulista", justifica a Resolução 37 do Compresp. A
Operação Urbana Centro encaminha, atualmente, projetos e ações de restauração
do prédio em parceria com a Associação dos Amigos do Prédio Martinelli.
Casa do comendador - 26º andar |
Casa do comendador - 26º andar |
Mais Algumas imagens:
Vista aérea de SP com o Martinelli no canto Esquerdo - 1930 |
Veja a galeria de imagens no site do Estadão
Imagens em 360º a partir do topo do Martinelli
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Martinelli
Bibliografia: o único livro publicado sobre o Martinelli é de autoria de Maria Cecília Naclério Homem: Martinelli – A Ascensão do Imigrante e a Verticalização de São Paulo (Projeto Editores Associados Ltda.
5 comentários:
...eu desenvolvo um trabalho num album comparativo e posso dizer que fico cada vez mais maravilhado com sao paulo, a cada foto antiga que eu pego...
Parabens pelo seu blog, póis atraves de trabalho como esses que é possivel que eu continue o meu...um forte abraço...
http://www.saopauloontemehojealbumcomparativo.blogspot.com.br/
Bom muito bom.
Primeiro, meus parabéns pelo Blog!
Acho legal a arquitetura do Martinelli. Em 1974, eu ainda muito jovem, estudava no 8° andar, concluindo o curso profissionalizante de torneiro mecânico na teoria e na prática.
Frequentei por muito tempo o velho Martinelli.
Olá! Muito bom trabalho!! Gosto de postais antigos. Caso tiveres à venda postais antigos.... Avise me, ou escreva-me: marceloarech@yahoo.com.br
Parabéns!!
Obrigado!
No início da década de 60 frequentei a academia de judô do Professor Ono. Ele já era velho mas tinha um sobrinho faixa preta que também dava aulas. A academia ficava no ultimo andar, mas ao contrário do que o artigo diz, os elevadores de grades de ferro funcionavam. Alguém também participou dessa academia?
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